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Vamos Pensar? (29) Lutos Invisíveis

 
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Murmúrios, poema de Waldir Araújo (Guiné-Bissau)

Dizem que são murmúrios os ecos que chegam do fundo deste mar São palavras soltas aos ventos frases melódicas para somar   Murmúrios que escondem feitiços segredos e estórias por desmontar São lamentos de cores mestiços São sombras desenhadas ao luar   No fundo deste mar o silêncio fala grita e clama como a força das marés Não longe essa voz alguém embala Não longe os ecos se escutam no convês   No fundo deste mar há tormentos Há vontade de um silêncio romper Querer e vontade não são lamentos No fundo, este mar esconde um poder!  

O Ateu, conto de Rachel de Queiroz

     Era uma vez, já faz muito tempo, havia um homem que era ateu. Naquele pequeno povoado onde morava não existia nenhum outro ateu igual a ele, de forma que o coitado vivia em grande isolamento. Mas era orgulhoso e não se queixava, mesmo quando se sentia mais solitário, por exemplo nos dias de domingo, em que todo o povo da terra ia ouvir missa e ele ficava vagando entre as árvores da praça; ou na véspera de Natal, quando as pessoas só se preocupavam com o Presépio e com a Missa do Galo. Tocavam os foguetes, os sinos repicavam, todo o mundo se alegrava e ia cear, mas o ateu declinava os convites que lhe faziam: não tendo rezado, não se achava com direito à ceia, pois ele com ser ateu não deixava de ser honesto; trancava-se em casa e ficava de vela acesa, lendo um dos seus livros de ateísmo. E, se alguma das pessoas vindas de longe para assistir às festas naquele povoado estranhava a silhueta do homem solitário a ler junto à fresca da janela e perguntava por que não esta...

Trova do Vento Que Passa, poema de Manuel Alegre ( citado pela Ministra Carmem Lúcia)

Pergunto ao vento que passa Notícias do meu país E o vento cala a desgraça O vento nada me diz. O vento nada me diz. Pergunto aos rios que levam Tanto sonho à flor das águas E os rios não me sossegam Levam sonhos deixam mágoas. Levam sonhos deixam mágoas Ai rios do meu país Minha pátria à flor das águas Para onde vais? ninguém diz. [se o verde trevo desfolhas Pede notícias e diz Ao trevo de quatro folhas Que morro por meu país. Pergunto à gente que passa Por que vai de olhos no chão. Silêncio -- é tudo o que tem Quem vive na servidão. Vi florir os verdes ramos Direitos e ao céu voltados. E a quem gosta de ter amos Vi sempre os ombros curvados. E o vento não me diz nada Ninguém diz nada de novo. Vi minha pátria pregada Nos braços em cruz do povo. Vi minha pátria na margem Dos rios que vão pró mar Como quem ama a viagem Mas tem sempre de ficar. Vi navios a partir (minha pátria à flor das águas) Vi minha pátria florir (verdes folhas verdes mágoas). Há quem te queira ignorada E fale pátria...

Cantiga Pequenina, poema de Thiago de Mello

A noite é linda, Isabella, quando serve de acalanto ao dia que vai nascer. É feia a noite, Isabella, quando a sombra esgarça a festa do verão no amanhecer. Estou no centro da noite: comigo, na minha mão, a canção da tua vida me ensinando a caminhar na mais clara direção do homem: saber amar. Em: Poesia Comprometida com a minha e a tua vida.  Ed. Civilização Brasileira, 1992, pág.75

História Passional, Hollywood, Califórnia - poema de Vinícius de Moraes

Preliminarmente telegrafar-te-ei uma dúzia de rosas Depois te levarei a comer um shop-suey Se a tarde também for loura abriremos a capota Teus cabelos ao vento marcarão oitenta milhas. Dar-me-ás um beijo com batom marca indelével E eu pegarei tua coxa rija como a madeira Sorrirás para mim e eu porei óculos escuros Ante o brilho de teus dois mil dentes de esmalte. Mascaremos cada um uma caixa de goma E iremos ao  Chinese  cheirando a hortelã-pimenta A cabeça no meu ombro sonharás duas horas Enquanto eu me divirto no teu seio de arame. De novo no automóvel perguntarei se queres Me dirás que tem tempo e me darás um abraço Tua fome reclama uma salada mista Verei teu rosto através do suco de tomate. Te ajudarei cavalheiro com o abrigo de chinchila Na saída constatarei tuas  nylons 57 Ao andares, algo em ti range em dó sustenido Pelo andar em que vais sei que queres dançar rumba. Beberás vinte uísques e ficarás mais terna Dançando sentirei tuas pernas entre as minhas Cheirarás ...

Noite de Almirante, conto de Machado de Assis

  Deolindo Venta-Grande (era uma alcunha de bordo) saiu do arsenal de marinha e enfiou pela rua de Bragança. Batiam três horas da tarde. Era a fina flor dos marujos e, de mais, levava um grande ar de felicidade nos olhos. A corveta dele voltou de uma longa viagem de instrução, e Deolindo veio à terra tão depressa alcançou licença. Os companheiros disseram-lhe, rindo: - Ah! Venta-Grande!  Que noite de almirante vai você passar! ceia, viola e os braços de Genoveva. Colozinho de Genoveva... Deolindo sorriu. Era assim mesmo, uma noite de almirante, como eles dizem, uma dessas grandes noites de almirante que o esperava em terra. Começara a paixão três meses antes de sair a corveta. Chamava-se Genoveva, caboclinha de vinte anos, esperta, olho negro e atrevido. Encontraram-se em casa de terceiro e ficaram morrendo um pelo outro, a tal ponto que estiveram prestes a dar uma cabeçada, ele deixaria o serviço e ela o acompanharia para a vila mais recôndita do interior. A velha Inácia, que...